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sexta-feira, 1 de junho de 2018

Macaíba poderá ter em breve sua primeira escola indígena

Índios Tapuia, Secretaria de Educação e Câmara Municipal dialogam pelo ensino indígena
Índios na Audiência Pública em Macaíba
Os índios Tapuia da comunidade do Tapará estão caminhando a passos largos para mais uma conquista. Reconhecidos pela Funai como povo indígena, os nativos estão avançando agora na conquista de políticas públicas de resgate e valorização de suas tradições e ancestralidade e também de direitos básicos como saúde e educação. Inspirados na experiência exitosa do movimento indígena de Canguaretama, Tapuias e poder público dialogam para implementar no Tapará a primeira Escola Indígena de Macaíba. O acesso a uma unidade de ensino diferenciada, intercultural, bilíngue/multilíngue e comunitária, é um direito dos povos nativos amparado pela Constituição Federal, LDB, Lei 11.645/2008 e pelo Decreto n. 26/1991, entre outras legislações específicas.
Na comunidade do Tapará o ensino indígena ocorrerá na Escola Municipal Luis Cúrcio Marinho, que ainda é uma unidade de ensino regular de Macaíba. Segundo informou o secretário de Educação de Macaíba, o Sociólogo Domingos Sávio de Oliveira, a transformação deste estabelecimento em escola indígena teve início há pouco tempo porque o município não tinha sistema de ensino próprio. “Com a criação do Sistema de Ensino de Macaíba, a Coordenação da Educação de Jovens e Adultos, EJA, recebeu a atribuição de coordenar também a Educação Escolar Indígena, a Quilombola e a Diversidade”, explica o secretário. 
Coord. Educ. Indígena Rogério Ferreira
A equipe técnica, que tem à frente o professor Rogério Ferreira, busca desde então capacitar-se para dar conta desta demanda e tem participado de diversas capacitações e discussões sobre o tema, estando presente, inclusive, em Encontro Nacional para implementação da Educação Indígena, em Fortaleza. O secretário destaca a importância da parceria com o Instituto Federal de Canguaretama, que foi essencial para a criação da primeira escola indígena naquele município e que vem orientando os técnicos da secretaria de educação de Macaíba.
Domingos explica que há duas modificações a serem feitas: a burocrática e a pedagógica. A documentação necessária à transição para escola indígena deverá ser entregue ao Conselho Municipal de Educação até o final deste ano para análise e deliberação. A constituição de currículo específico indígena será feita com a participação da comunidade do Tapará. Serão realizadas audiências públicas com essa finalidade. O secretário tranquiliza os estudantes em relação aos conteúdos da Base Curricular Nacional. “Os conteúdos necessários à formação para os exames federais serão mantidos no contra turno, a escola funcionará em tempo integral”, reforça.
Já foi iniciado o debate deste processo em audiência pública na Câmara Municipal com participação de representantes da comunidade e do movimento indígena do Rio grande do norte.
As adequações da secretaria de educação do município devem demorar menos de um ano para serem concluídas. A expectativa é que a implantação ocorra até o início de 2019. Segundo informou o Cacique Luis Catu, o processo de criação da escola indígena da sua aldeia em Canguaretama, demorou mais de 8 anos para ser concluído. Em Macaíba, os vereadores já reconhecem a relevância da causa e já há até proposta de modificar o nome da escola para um nome indígena indicado pelo povo Tapuia.
Concurso público
O secretário de educação informou em primeira mão que o próximo concurso público a ser realizado no município já incluirá vagas específicas para professores indígenas visando suprir a demanda de Tapará.

A palavra do nativo
O índio Tapuia Jerônimo Campelo mostra com orgulho os utensílios do artesanato indígena utilizados em suas manifestações culturais. Josué Jerônimo é filho de dona Benedita, artesã, uma das índias mais idosas do povo Tapuia na comunidade Tapará, em Macaíba.
Ele é funcionário de uma escola federal, mas dedica parte do seu tempo livre a dar oficinas para resgatar e aprofundar os saberes do povo indígena. Falante e desinibido, nos acolheu com simpatia em sua barraca na Feira Indígena do Tapará, onde expôs a importância da educação escolar indígena para o movimento que autodeclara e reafirma o povo do Tapará como índios Tapuia. Ele nos conta com tristeza, e sua mãe reforça os detalhes, que as terras do Tapará, bem como a comunidade vizinha, Lagoa do Mato, pertenciam ao povo Tapuia e que os latifundiários vindos de fora estão desmatando e plantando capim. Perseguidos, os índios foram se espalhando e hoje o movimento indígena tenta restaurar os costumes e tradições e unir o povo em defesa de sua ancestralidade. Para Jerônimo, a implantação da educação escolar indígena é essencial para formar as novas gerações e evitar que a cultura Tapuia se perca. “É também muito importante que o ensino seja feito por pessoas da comunidade, que leve em conta a cultura, os costumes e as particularidades da comunidade”, complementa.

Educação física indígena
A recreação e prática esportiva em unidades de ensino dentro de aldeias seguem rituais próprios. E os Tapuia tem sua contribuição a dar para o ensino da educação física.
Corrida da tora
Além de praticarem a “corroveara” - Corrida da tora, esporte indígena em que correm com um pedaço de tronco de carnaúba (tora) no ombro, os Tapuia também jogam peteca, jogo genuinamente indígena e brasileiro que originou o esporte olímpico badmínton. Mas o índio Jurandir Santos da Silva, ou Jurandir Tapuia, também gosta muito de futebol e futsal. “Há quatro anos fundamos o time dos índios Tapuia e já participamos do campeonato de Macaíba”, afirma orgulhoso o futebolista enquanto exibe a camisa oficial da equipe e o primeiro troféu conquistado em torneio neste ano.

Mães de alunos
Algumas mães de alunos da escola Luís Cúrcio Marinho que ainda não se declaram indígenas afirmam que não estão informadas de todo o processo, mas esperam que os conteúdos necessários para os exames das escolas federais sejam mantidos, conforme promessa do secretário. Já a mãe Adriana da Silva afirmou não se opor em nada. “Nós somos Tapuia, acho interessante que as crianças aprendam a língua indígena. E é muito bom que a escola seja integral porque mantém os nossos jovens na escola o dia todo”.

Movimento indígena do RN
José Luiz Soares, ou Cacique Potiguara Luiz Catu, é líder do Movimento indígena do RN e esteve na audiência pública na Câmara de vereadores de Macaíba. Ele declara que esta luta por educação escolar indígena no Tapará é parte de um movimento maior, que começa a se organizar ainda no ano 2000 entre os municípios de Goianinha e Canguaretama, na Aldeia Catu.
“A busca de políticas públicas para o povo indígena do RN intensificou-se em 2005 com a realização da primeira Audiência pública voltada para a questão indígena na Assembléia
Cacique Luiz Catu
Legislativa do RN. Na ocasião apresentamos um abaixo-assinado com pontos estratégicos da nossa luta. Reivindicávamos que os governos federal, estaduais e municipais, além das universidades e demais instituições, reconhecessem os povos aldeados e as etnias existentes no RN. A parti dali tivemos várias conquistas, entre ela elas a implantação da primeira escola indígena do RN em nossa aldeia Catu e conseguimos trazer a Funai para o RN”, relembra Luís.
Atualmente o movimento indígena integra a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB e tem representantes nas principais organizações e entidades de defesa dos índios no país. No RN são realizadas assembleias a cada dois anos onde os 9 povos indígenas tem a oportunidade de debater com todos os órgãos estaduais e municipais as políticas públicas para a saúde, a educação e etnodesenvolvimento. Luis se orgulha em afirmar que “já estamos na quinta Assembleia Geral dos Povos Indígenas, na segunda Assembleia de Mulheres Indígenas e na segunda Assembleia de Jovens Indígenas”.
A Audiência Pública por Educação Escolar Indígena de Qualidade, realizada pela Câmara Municipal de Macaíba, no dia 08/05, foi a terceira no estado. A primeira aconteceu em Canguaretama e a segunda foi em João Câmara. Neste ano de 2018 várias audiências ainda serão realizadas com o mesmo objetivo. “A Educação Escolar Indígena de Qualidade é uma forma de mudar, de ter uma resistência maior. As escolas que atendem aos Curumins das nove aldeias precisam se adequar às necessidades de aprendizagem destas comunidades, conclui o Cacique Luis Catu.